quinta-feira, 28 de julho de 2011

coisas que devíamos aprender no berço

A minha amiga S. acha que os bebés deviam ter um iphone acoplado à chucha. Para se irem logo habituando, justifica.
Eu, menos tecnológica (ainda que comece a achar bastante piada ao iphone), fiquei a pensar que não seria má ideia se o dito aparelho trouxesse inserido uma série de lições rápidas e fundamentais daquelas que, convenientemente, quase todos os educadores omitem aos petizes.
Numa das lições a criança ia aprendendo a importância de se dizer não quando realmente não queremos dizer sim. Parece fácil dizer não. Ledo engano. Quantas vezes dizemos sim só para não sermos chatos, desmancha-prazeres ou, simplesmente, para não magoarmos alguém. Só com o tempo vamos aprendendo que muitas vezes o não é fundamental para não fazermos fretes, para que nos respeitem e, sobretudo, para não nos desiludirmos a nós mesmos.
Numa outra lição imprescindível, a criança aprenderia que tudo na vida se pode mendigar, excepto afectos. Haverá pouca coisa mais humilhante que suplicar amor, carinho ou atenção a alguém que não tem por nós tais sentimentos. Muitas lágrimas, dores e frustrações poderiam ser evitadas se nos ensinassem isto logo no berço.
Facilmente continuaria a enumerar outras aulas elementares, se realmente achasse que as devíamos aprender deste modo. Não acho. Há coisas que só a vida nos vai ensinando e outras que só a maturidade nos permite pôr em prática. O riso, a felicidade e a realização não teriam sentido se não soubéssemos também as lágrimas, a dor e a frustração.

dualidade

Um dia levo-te comigo e deixo-te escolher. Um dia, por um dia, decidirás se me queres anjo ou demónio e eu encarnarei a tua escolha, indo buscar dentro de mim, às reminiscências ancestrais, o anjo ou o demónio, conforme a tua vontade. Porque antes do início dos tempos fomos tudo. Fomos deuses e diabos, anjos e demónios, luz e sombra, redenção e pecado. E por isso ainda hoje temos dentro de nós esta dualidade.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

:)

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Há dias em que olho para o mundo e não consigo evitar a sensação de que está tudo louco.
As agências financeiras e os mercados passaram a ditar o modo como cada país deve gerir as suas finanças e, consequentemente a sua política social. Os ditadores, que antigamente eram de carne e osso, tornaram-se entidades abstractas que impõem ditaduras às sociedades ditas democráticas.
O racismo e a intolerância para com a diferença crescem desmesuradamente. Surgem loucos de extrema direita que querem limpar a Europa, que almejam a uma Europa livre de muçulmanos, de negros, de homossexuais e de todos os cidadãos que não sejam da mais pura casta do conservadorismo europeu.
O que eu realmente queria era ver a Europa livre de gente louca, gente capaz de assassinar a sangue frio dezenas de pessoas, gente que se acha superior porque tem a pele clara e porque professa uma qualquer religião cristã e em nome dela mata, sem remorsos.
A pluralidade cultural sempre me fascinou. Não gostaria de viver numa Europa fechada a outras culturas. Gosto de passear por Lisboa e de a ver cheia de cores e de ritmos de países longínquos. Não acho, como muitos, que os imigrantes roubem o trabalho a ninguém. Acho, isso sim, que eles fazem o trabalho que os outros não querem fazer. Há bandidos entre os imigrantes? Há muitos, certamente. Do mesmo modo que há bandidos entre os naturais de qualquer país europeu.
Ah, e se não for pedir muito, mandem à merda os mercados e as agências financeiras.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

estrelas (de)cadentes

Sempre me pareceu que há pessoas que nunca conseguem encontrar o seu lugar no mundo e, consequentemente, na vida. Que nunca conseguem paz de espírito, que padecem de uma real incapacidade para serem felizes, que nascem com um vazio na alma que nada nem ninguém parece conseguir preencher. Há quem conquiste, através das artes, ou de hobbies, ou de trabalho pesado, uma certa libertação na intensidade da procura.
Outros, porém, passam pela vida numa busca desenfreada por algo que lhes preencha o vazio que sentem. São personagens trágicas como a Amy Winehouse, o Curt Cobain, o Jim Morrisson, entre outros, que parecem ter uma incapacidade real de se adaptar ao mundo, que testam todos os limites, que estão sempre numa busca de algo inalcançável e que nessa busca fatídica vão minando o corpo com consumo excessivo de álcool e de drogas. A morte é sempre prematura, sempre trágica e sempre provocada. São estrelas (de)candentes que brilham intensamente por momentos e depois se extinguem para sempre, restando apenas a memória do seu fulgor.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

os anjos não têm asas

Os anjos, os verdadeiros anjos, não têm asas: é a fé que os sustem no ar.
José Eduardo Agualusa

Quando era miúda achava que ter fé e acreditar em Deus eram sinónimos. Um dia ofereceram-me um livro infantil com ilustrações bíblicas. Fiquei de imediato fascinada pela imagem do éden pós-apocalíptico. Guardo até hoje na memória os rostos sorridentes de adultos e crianças, brincando com animais selvagens tão dóceis como cachorrinhos, num campo muito verde e florido. Já então aquela imagem me parecia inconcebível. Era tudo demasiado perfeito, excessivamente bonitinho e aparentemente muito aborrecido. À medida que crescia, de vez em quando, aquele desenho assaltava-me os pensamentos. Acabei por concluir que jamais me obrigariam a ir para um sítio tão entediante. Faltava-lhe emoção e, sobretudo, faltava-lhe sentido. Blasfémia. Toda a gente queria ir para o céu quando morresse e eu a achar que uma misturazinha entre céu e inferno era, certamente, mais aprazível. Percebi mais tarde que essa amálgama é o nosso dia-a-dia. Nunca me pareceu verosímil a estória da criação, segundo a igreja católica. E a ser, compreendo perfeitamente a Eva. Basta proibirem-nos algo para termos logo vontade de desobedecer, sobretudo se não entendermos o porquê dessa interdição.
E a fé? Não tenho asas e por vezes sei que voo. Não vivo no paraíso e tantas vezes já o alcancei – paraísos diferentes, paraísos particulares, a minha ideia de paraíso. Do mesmo modo, já fiz algumas passagens pelo inferno e de lá saí mais forte. E por isso tenho fé sim, muita fé em mim e naqueles que amo. E agradeço à Eva por nos ter salvo daquele éden.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

hoje perdi-me de mim

Hoje perdi-me de mim... Hoje tenho andado à deriva, sem ninguém no leme.
Se alguém me encontrar, por favor, devolva-me a mim.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

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Uma das coisas que me atrai na filosofia budista é a sua relação com a morte, o modo como vivem com a consciência de que ao nascermos iniciamos de imediato o percurso que nos levará a esse fim inevitável. No ocidente, a não ser que sejamos muito prematuramente confrontados com a morte, crescemos com a sensação de que esta é algo que só acontece aos outros, aos desconhecidos. Crescemos com a sensação de que somos imortais e esse sentimento só passa quando, por fim, vemos a morte acontecer perto de nós.

Para os tibetanos a morte é tão natural como a vida, é mesmo a sua continuação. Crescem sabendo que a vida é apenas uma passagem e pensar na morte é para eles tão natural como respirar. Consequentemente, valorizam a vida de um modo totalmente diferente. Vivem-na serenamente, alheando-se de mesquinharias.
No espaço de um ano perdi três pessoas muito importantes para mim. Não conseguirei nunca ter a postura da filosofia tibetana, porque não foi enraizada no meu espírito. Contudo, a aceitação, conseguir ultrapassar o desespero, ajuda. Não é fácil. Estas três mortes fizeram-me repensar muitos aspectos da minha vida. Saber que caminho para um fim, faz-me querer viver mais plenamente, mais intensamente. Não quero com isto dizer que preciso de viver tudo o mais depressa possível. Apenas que tudo aquilo que me proponho fazer, seja fruto de vontade inequívoca. Quando me voltar a apaixonar, mesmo já tendo experimentado o desalento e a dor, entregar-me-ei sem reservas a essa paixão e correrei os riscos que tiver de correr. Estou com os amigos e familiares que amo sempre por inteiro. Deixei de fazer fretes, porque simplesmente não me apetece. Quando algo ou alguém me faz infeliz ou magoa, reclamo. A vida tem de ser vivida por inteiro e não com medos e receios. Viver pela metade, com medo de sofrer, não é viver. Viver é celebrar, sempre.