segunda-feira, 12 de setembro de 2011

noite

A noite só cai, verdadeiramente, em lugares onde o excesso de iluminação ainda não chegou. Nos grandes centros urbanos nunca é realmente noite. A luz eléctrica ilumina ruas, estradas, lojas, fontes, pontes, discotecas, mendigos, bandidos, prostitutas e toda a sorte de noctívagos. Só fora desses centros podemos contemplar a noite em todo o seu esplendor, a escuridão imensa que se abate sobre o mundo e que torna tudo ao nosso redor invisível. Há uns tempos passei uns dias em Santa Clara. Era inverno e a casa rústica onde fiquei situava-se ligeiramente fora dos extremos da localidade, na sua parte mais alta. Gostava imenso de, ao final da tarde e já noite cerrada, vestir um agasalho, sentar-me no pial e olhar para baixo, para a aldeia muito branca e sossegada. Estava iluminada e das chaminés das casas, tão tipicamente alentejanas, saía o fumo das lareiras que aqueciam o lar. Olhava em volta e a escuridão imensa surpreendia-me. Não se descortinava absolutamente nada para lá da aldeia. Era como se estivéssemos numa ilha no meio do vazio. Sobre nós um céu negríssimo pejado de estrelas. Uma escuridão tão absoluta atrai-me de modo irresistível e, simultaneamente, desperta em mim sensações ancestrais: medo do escuro, medo do que ele possa ocultar. Não passa, contudo, duma sensação vaga praticamente encoberta pelo êxtase celeste, pelo silêncio quase perfeito. Conforta-me saber que ainda há lugares assim, onde posso, realmente, ver o céu e sentir o respirar da terra. E sentir-me parte deste todo.

sábado, 10 de setembro de 2011

no title allowed

Tenho um problema com os títulos. Um problema abrangente porque inclui desde títulos académicos a títulos de patentes militares e, o que mais me desagrada, os títulos a dar aos textos que escrevo. Se professores, doutores, brigadeiros e coronéis não me chateiam nada, já o mesmo não posso dizer do vazio que se instala no meu cérebro cada vez que preciso de nomear um texto. Logo eu, que sou capaz de comprar um livro só porque o nome me seduz. O pior é que em inglês me surge imediatamente o título perfeito. São títulos na língua de Shakespeare, é certo, mas devem ler-se com acento americano, claro. Anda uma criatura há anos a defender as culturas lusófonas e a lusofonia para depois ser assim, despudoradamente, traída por títulos pouco cooperantes.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

dias frágeis

Há dias frágeis, dias em que uma brisa suave me derruba, dias em que tenho um mar revolto dentro de mim. Há dias em que tudo me parece pouco, nada me satisfaz, nada me interessa e tudo me escurece. Há dias em que perco o rumo e fico sem saber onde é o norte. Há dias em que espero, pacientemente, que a chegada de um novo dia me leve esta ânsia de partir…