quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

nada é definitivo

Quando começo a ficar cheia de certezas, vem a vida e dá-me um abanão. É a forma que tem de me lembrar que nada é eterno, nada é definitivo.
Gosto e preciso do meu porto de abrigo. É lá que me reencontro e reconheço. Mas não saberia viver sem este carácter mutável da vida, que me empurra para estradas novas, que me ensina a crescer, que faz com que não me acomode.

sábado, 26 de novembro de 2011

a vida é uma festa

Há dias em que acordo com a convicção absoluta que o mundo é uma festa, que a vida é uma dádiva preciosa e que tenho o dever de ser o mais feliz possível. Habituei-me, desde cedo, a não depositar nos outros a responsabilidade da minha felicidade. Nem sempre é fácil. Nem sempre quero admitir que se as coisas me correm mal, talvez seja porque não me esforcei tanto como podia. Nem sempre me apetece aceitar que, na maioria das vezes, quando alguém me trata com menos consideração, foi porque eu o fui permitindo. É sempre mais fácil colocar as culpas nos outros, no azar, na vida, no acaso. Todas as acções, mesmo as passivas, provocam reacções. A vida, os outros, retribuem-me exactamente aquilo que eu dou, aquilo que eu permito. É verdade que há verdadeiros azares e pessoas com má índole. Como também existem golpes de sorte e anjos no meu caminho. Uns balançam os outros. O resto, o dia-a-dia, é o reflexo das minhas escolhas, das minhas vontades conscientes ou inconscientes. Pesando tudo, tenho muitos anjos junto de mim e a vida é, realmente uma festa.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

***

O mundo tem lugares escuros. E não são somente os locais dessa África imensa onde se perece de fome, de sede, de crueldade, onde tantos morrem sem nunca terem vivido. Nem os campos de batalha de guerras sem nome e sem sentido. Ou os sombrios becos da vida onde se rouba, mata, viola, agride. Há lugares escuros dentro de nós, dentro daqueles que amamos. E, por vezes, esses lugares turvam-nos a alma. Porém, sem esta escuridão, não reconheceríamos a luz. São as duas faces da mesma moeda. Perco-me para me poder reencontrar, na eterna dualidade que existe dentro de mim.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

nostalgia de outono

O cheiro das castanhas assadas continua a impregnar o ar e os nossos sentidos nos fins de tarde dourados de Outono. Ainda são “quentes e boas” na minha memória mas deixaram de o ser nos pregões extintos dos vendedores. “Um cartuxo de castanhas, por favor.” e já não me chega às mãos uma embalagem improvisada nas páginas de uma velha lista telefónica. “Não é higiénico.” dizem os senhores de Bruxelas. E nós, nós obedecemos aos senhores de Bruxelas. As castanhas ainda são lusas, vindas de um qualquer souto centenário que teima em escapar incólume às chamas que ano após ano consomem Portugal.
Sinto o cheiro quente das castanhas assadas na rua. Mais à frente está o vendedor. O fumo denuncia-o. Fecho os olhos e num instante regresso aos dias leves da adolescência. “Um cartuxo, por favor”, peço com um sorriso enquanto deliberadamente deixo cair o estojo junto de um homem elegante que aguarda a sua vez. “É velho para ti”, sussurra uma amiga. O homem entrega-me o estojo e eu agradeço-lhe com um sorriso rasgado e um olhar coquete. Pago ao vendedor e respondo serenamente à minha amiga: “É homem!”. Não expliquei mais nada. Nem sabia. Praticávamos por instinto a arte que acabáramos de descobrir.

a sombra do medo

Abriu os olhos e viu-as nitidamente. Sombras dançando na cadência de uma qualquer música inaudível. Fechou os olhos assustada. Se continuasse a vê-las teria de consultar um médico. Um oftalmologista, um neurologista ou, na pior das hipóteses, um psiquiatra. Adormeceu inquieta. Os dias passaram-se e continuava a vê-las, cada vez com mais frequência. Já não pensava no médico. Observava-as atenta. As sombras divertiam-se, sempre em folia. De vez em quando, parecia-lhe, ganhavam contornos mais nítidos. Vinham junto dela, acariciavam-lhe o rosto e percebia que lhe falavam. Habituou-se a elas. Eram várias e faziam-lhe agora companhia todo o dia. Homens e mulheres numa algazarra muda. Brindavam, bebiam e dançavam. E riam, riam muito.
Subitamente, deixou de ver as ver. Soube depois que tinha estado em coma durante vários dias. Sentiu-se feliz por rever pessoas de verdade. Mas sentia saudades das sombras. Lembrou-se da alegoria da caverna. Também para ela as sombras tinham sido a única realidade durante demasiado tempo, ou assim lhe parecia. Um dia voltou a vê-las. Era já velha, muito velha e estava muito doente. As sombras vieram junto de si, na sua eterna folia, e o seu coração moribundo encheu-se de alegria.

domingo, 6 de novembro de 2011

shadows & smeyes

O riso cativa-me. Gosto de almas cheias de riso. Gosto de ver o sorriso no olhar das pessoas. A língua inglesa tem uma palavra recente, smeyes (não sei se dicionarizada) que significa sorrir com o olhar. E se o riso me cativa, as sombras fascinam-me. É a eterna dualidade que sempre me seduziu. A luz e a sombra, o bem e o mal. A nossa essência. Suponho que existem pessoas genuinamente más e pessoas verdadeiramente boas. O comum dos mortais, onde me incluo, parece-me ser ambas as coisas.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

dias...

Há dias raros em que tudo são inexplicações. Dias em que acordo atónita, como se uma tempestade me devassasse as entranhas. Dias em que nada faz sentido. Dias em que duvido de tudo, em que questiono tudo. Dias em que deixo a solidão entrar-me na alma e fico só a olhar por entre as lágrimas.
Há outros dias, menos raros, em que tudo parece ser tão evidente. Em que tudo parece arrumado no devido lugar, como se nem pudesse ser de outro modo. Dias em que a hesitação, o medo e a tristeza não são convidados e a vida flui, leve.
E há os dias de busca, de procura. Dias em que acordo com vontade de agarrar o mundo na palma das mãos e desvendá-lo. Dias gloriosos que me enfeitiçam com poentes de assombro, palavras envoltas em magia, brisas suaves que sussurram segredos.

Que dias prefiro? Não sei, de facto. Todos eles me acrescentam, todos me completam, todos fazem de mim aquilo que sou e aquilo que serei…

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

noite

A noite só cai, verdadeiramente, em lugares onde o excesso de iluminação ainda não chegou. Nos grandes centros urbanos nunca é realmente noite. A luz eléctrica ilumina ruas, estradas, lojas, fontes, pontes, discotecas, mendigos, bandidos, prostitutas e toda a sorte de noctívagos. Só fora desses centros podemos contemplar a noite em todo o seu esplendor, a escuridão imensa que se abate sobre o mundo e que torna tudo ao nosso redor invisível. Há uns tempos passei uns dias em Santa Clara. Era inverno e a casa rústica onde fiquei situava-se ligeiramente fora dos extremos da localidade, na sua parte mais alta. Gostava imenso de, ao final da tarde e já noite cerrada, vestir um agasalho, sentar-me no pial e olhar para baixo, para a aldeia muito branca e sossegada. Estava iluminada e das chaminés das casas, tão tipicamente alentejanas, saía o fumo das lareiras que aqueciam o lar. Olhava em volta e a escuridão imensa surpreendia-me. Não se descortinava absolutamente nada para lá da aldeia. Era como se estivéssemos numa ilha no meio do vazio. Sobre nós um céu negríssimo pejado de estrelas. Uma escuridão tão absoluta atrai-me de modo irresistível e, simultaneamente, desperta em mim sensações ancestrais: medo do escuro, medo do que ele possa ocultar. Não passa, contudo, duma sensação vaga praticamente encoberta pelo êxtase celeste, pelo silêncio quase perfeito. Conforta-me saber que ainda há lugares assim, onde posso, realmente, ver o céu e sentir o respirar da terra. E sentir-me parte deste todo.

sábado, 10 de setembro de 2011

no title allowed

Tenho um problema com os títulos. Um problema abrangente porque inclui desde títulos académicos a títulos de patentes militares e, o que mais me desagrada, os títulos a dar aos textos que escrevo. Se professores, doutores, brigadeiros e coronéis não me chateiam nada, já o mesmo não posso dizer do vazio que se instala no meu cérebro cada vez que preciso de nomear um texto. Logo eu, que sou capaz de comprar um livro só porque o nome me seduz. O pior é que em inglês me surge imediatamente o título perfeito. São títulos na língua de Shakespeare, é certo, mas devem ler-se com acento americano, claro. Anda uma criatura há anos a defender as culturas lusófonas e a lusofonia para depois ser assim, despudoradamente, traída por títulos pouco cooperantes.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

dias frágeis

Há dias frágeis, dias em que uma brisa suave me derruba, dias em que tenho um mar revolto dentro de mim. Há dias em que tudo me parece pouco, nada me satisfaz, nada me interessa e tudo me escurece. Há dias em que perco o rumo e fico sem saber onde é o norte. Há dias em que espero, pacientemente, que a chegada de um novo dia me leve esta ânsia de partir…  

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

vidas erradas

Há pouco fui ao supermercado e passei, como habitualmente, por um sem-abrigo que há muitos meses se instalou junto à porta de acesso ao parque exterior. Enquanto caminhava ouvi o tipo duma carrinha de distribuição afirmar, mais do que perguntar: “Tu, com essa vida, nem miúdas sacas”. O sem-abrigo que terá pouco mais de 30 anos - suspeito que lavadinho e com roupa catita punha muitos tipos a um canto - replicou-lhe calmamente: “Por acaso ainda na semana passada estive com uma. Tu devias estar a ver bola enquanto eu estava na brincadeira com ela”. O outro, de pança farta, querendo ter a última palavra: “Ah sim? E debaixo de que ponte?”. Já não ouvi a resposta. Quando saí, já o pançudo tinha isso à sua vida (arrisco-me a dizer vidinha) e o outro, o sem-abrigo, contava a sua estória a uma pequena plateia de mulheres e crianças. Fui andando devagar e percebi que o divórcio dos pais o tinha atirado para as estatísticas das crianças que ninguém quer. E assim foi crescendo, entregue à sua sorte e fazendo por sobreviver. Agora está ali. Nunca o vi pedir nada a ninguém, nunca o vi ser mal-educado e tem ainda nos olhos um brilho que a vida não lhe conseguiu apagar.
Fiquei a pensar que é preciso tão pouco para uma vida dar errado. Estamos sempre muito mais perto do precipício do que aquilo que imaginamos. Uma opção mal tomada, um passo em falso, um desaire amoroso, qualquer coisa. O facto é que todos temos em nós a possibilidade do abismo.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

(sobre)VIVER

Nos últimos tempos tenho ouvido muita gente responder à questão o que espera do futuro? com um simples sobreviver. Muitas dessas pessoas não estão doentes, não têm dificuldades económicas e, ainda assim, só esperam sobreviver. Ou o meu conceito está errado ou as pessoas esperam muito pouco da vida. Mesmo em plena crise económica, que também sinto na pele, ainda espero muito mais do que simplesmente sobreviver. É verdade que exercer o meu direito à futilidade (que em mim é mais uma vocação), desgraçando-me em sapatos e roupitas, se poderá tornar mais complicado mas, frivolidades à parte, há tanta vida para viver, tantas coisas que se podem fazer sem se gastar muito dinheiro. Ainda por cima as coisas que realmente importam não se compram. Se estivesse muito doente, então sim, desejaria com todas as forças sobreviver. Estando bem de saúde, quero mesmo é viver, muito!

há palavras que só os beijos calam

Acordei devagarinho com a luz suave da manhã a acariciar-me a pele e o cheiro a maresia a inundar-me os sentidos. Libertei-me lentamente dos braços dele e olhei em volta. Em frente tinha o imenso mar azul, plácido e apetecível. As gaivotas piavam no alvoroço de terem a praia por sua conta. Fechei os olhos e, por momentos, voltei ao céu estrelado da noite anterior. Estrelas, milhões delas, testemunhas mudas do prazer que partilhámos, testemunhas mudas de tantas estórias.
Ele acordou. Sorriu e beijou-me com olhos de desejo. Ainda tentei argumentar que a qualquer momento chegariam os primeiros madrugadores à praia mas... há resistências que só o desejo vence e há palavras que só os beijos calam.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

nada a acrescentar

"Ama-se aquilo com que se cruza, mulher, paisagem, caminho, ou porque evoca emoções sabidas ou porque é novo e vem casar com a busca com o que se adivinha e é pressentido a sós, e é só talvez assim."

sábado, 6 de agosto de 2011

Kronos e Kairós

"O passar do tempo goza com o género humano. Bem faziam os gregos diferenciando entre o Kronos, o simples passar dos segundos, e a incidência que determinados instantes teriam na nossa vida, fazendo dilatar essa medida de tempo e dotando-a de relevância, o Kairós."

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

sempre mais


Deixo pedaços de mim por todos os sítios onde passo, com todos os amigos que amo, a todos os amantes que tenho. Partilho-me e tenho cada vez mais, sempre acrescentada de tudo o que dou e de tudo o que vivo…

quinta-feira, 28 de julho de 2011

coisas que devíamos aprender no berço

A minha amiga S. acha que os bebés deviam ter um iphone acoplado à chucha. Para se irem logo habituando, justifica.
Eu, menos tecnológica (ainda que comece a achar bastante piada ao iphone), fiquei a pensar que não seria má ideia se o dito aparelho trouxesse inserido uma série de lições rápidas e fundamentais daquelas que, convenientemente, quase todos os educadores omitem aos petizes.
Numa das lições a criança ia aprendendo a importância de se dizer não quando realmente não queremos dizer sim. Parece fácil dizer não. Ledo engano. Quantas vezes dizemos sim só para não sermos chatos, desmancha-prazeres ou, simplesmente, para não magoarmos alguém. Só com o tempo vamos aprendendo que muitas vezes o não é fundamental para não fazermos fretes, para que nos respeitem e, sobretudo, para não nos desiludirmos a nós mesmos.
Numa outra lição imprescindível, a criança aprenderia que tudo na vida se pode mendigar, excepto afectos. Haverá pouca coisa mais humilhante que suplicar amor, carinho ou atenção a alguém que não tem por nós tais sentimentos. Muitas lágrimas, dores e frustrações poderiam ser evitadas se nos ensinassem isto logo no berço.
Facilmente continuaria a enumerar outras aulas elementares, se realmente achasse que as devíamos aprender deste modo. Não acho. Há coisas que só a vida nos vai ensinando e outras que só a maturidade nos permite pôr em prática. O riso, a felicidade e a realização não teriam sentido se não soubéssemos também as lágrimas, a dor e a frustração.

dualidade

Um dia levo-te comigo e deixo-te escolher. Um dia, por um dia, decidirás se me queres anjo ou demónio e eu encarnarei a tua escolha, indo buscar dentro de mim, às reminiscências ancestrais, o anjo ou o demónio, conforme a tua vontade. Porque antes do início dos tempos fomos tudo. Fomos deuses e diabos, anjos e demónios, luz e sombra, redenção e pecado. E por isso ainda hoje temos dentro de nós esta dualidade.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

:)

***

Há dias em que olho para o mundo e não consigo evitar a sensação de que está tudo louco.
As agências financeiras e os mercados passaram a ditar o modo como cada país deve gerir as suas finanças e, consequentemente a sua política social. Os ditadores, que antigamente eram de carne e osso, tornaram-se entidades abstractas que impõem ditaduras às sociedades ditas democráticas.
O racismo e a intolerância para com a diferença crescem desmesuradamente. Surgem loucos de extrema direita que querem limpar a Europa, que almejam a uma Europa livre de muçulmanos, de negros, de homossexuais e de todos os cidadãos que não sejam da mais pura casta do conservadorismo europeu.
O que eu realmente queria era ver a Europa livre de gente louca, gente capaz de assassinar a sangue frio dezenas de pessoas, gente que se acha superior porque tem a pele clara e porque professa uma qualquer religião cristã e em nome dela mata, sem remorsos.
A pluralidade cultural sempre me fascinou. Não gostaria de viver numa Europa fechada a outras culturas. Gosto de passear por Lisboa e de a ver cheia de cores e de ritmos de países longínquos. Não acho, como muitos, que os imigrantes roubem o trabalho a ninguém. Acho, isso sim, que eles fazem o trabalho que os outros não querem fazer. Há bandidos entre os imigrantes? Há muitos, certamente. Do mesmo modo que há bandidos entre os naturais de qualquer país europeu.
Ah, e se não for pedir muito, mandem à merda os mercados e as agências financeiras.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

estrelas (de)cadentes

Sempre me pareceu que há pessoas que nunca conseguem encontrar o seu lugar no mundo e, consequentemente, na vida. Que nunca conseguem paz de espírito, que padecem de uma real incapacidade para serem felizes, que nascem com um vazio na alma que nada nem ninguém parece conseguir preencher. Há quem conquiste, através das artes, ou de hobbies, ou de trabalho pesado, uma certa libertação na intensidade da procura.
Outros, porém, passam pela vida numa busca desenfreada por algo que lhes preencha o vazio que sentem. São personagens trágicas como a Amy Winehouse, o Curt Cobain, o Jim Morrisson, entre outros, que parecem ter uma incapacidade real de se adaptar ao mundo, que testam todos os limites, que estão sempre numa busca de algo inalcançável e que nessa busca fatídica vão minando o corpo com consumo excessivo de álcool e de drogas. A morte é sempre prematura, sempre trágica e sempre provocada. São estrelas (de)candentes que brilham intensamente por momentos e depois se extinguem para sempre, restando apenas a memória do seu fulgor.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

os anjos não têm asas

Os anjos, os verdadeiros anjos, não têm asas: é a fé que os sustem no ar.
José Eduardo Agualusa

Quando era miúda achava que ter fé e acreditar em Deus eram sinónimos. Um dia ofereceram-me um livro infantil com ilustrações bíblicas. Fiquei de imediato fascinada pela imagem do éden pós-apocalíptico. Guardo até hoje na memória os rostos sorridentes de adultos e crianças, brincando com animais selvagens tão dóceis como cachorrinhos, num campo muito verde e florido. Já então aquela imagem me parecia inconcebível. Era tudo demasiado perfeito, excessivamente bonitinho e aparentemente muito aborrecido. À medida que crescia, de vez em quando, aquele desenho assaltava-me os pensamentos. Acabei por concluir que jamais me obrigariam a ir para um sítio tão entediante. Faltava-lhe emoção e, sobretudo, faltava-lhe sentido. Blasfémia. Toda a gente queria ir para o céu quando morresse e eu a achar que uma misturazinha entre céu e inferno era, certamente, mais aprazível. Percebi mais tarde que essa amálgama é o nosso dia-a-dia. Nunca me pareceu verosímil a estória da criação, segundo a igreja católica. E a ser, compreendo perfeitamente a Eva. Basta proibirem-nos algo para termos logo vontade de desobedecer, sobretudo se não entendermos o porquê dessa interdição.
E a fé? Não tenho asas e por vezes sei que voo. Não vivo no paraíso e tantas vezes já o alcancei – paraísos diferentes, paraísos particulares, a minha ideia de paraíso. Do mesmo modo, já fiz algumas passagens pelo inferno e de lá saí mais forte. E por isso tenho fé sim, muita fé em mim e naqueles que amo. E agradeço à Eva por nos ter salvo daquele éden.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

hoje perdi-me de mim

Hoje perdi-me de mim... Hoje tenho andado à deriva, sem ninguém no leme.
Se alguém me encontrar, por favor, devolva-me a mim.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

***

Uma das coisas que me atrai na filosofia budista é a sua relação com a morte, o modo como vivem com a consciência de que ao nascermos iniciamos de imediato o percurso que nos levará a esse fim inevitável. No ocidente, a não ser que sejamos muito prematuramente confrontados com a morte, crescemos com a sensação de que esta é algo que só acontece aos outros, aos desconhecidos. Crescemos com a sensação de que somos imortais e esse sentimento só passa quando, por fim, vemos a morte acontecer perto de nós.

Para os tibetanos a morte é tão natural como a vida, é mesmo a sua continuação. Crescem sabendo que a vida é apenas uma passagem e pensar na morte é para eles tão natural como respirar. Consequentemente, valorizam a vida de um modo totalmente diferente. Vivem-na serenamente, alheando-se de mesquinharias.
No espaço de um ano perdi três pessoas muito importantes para mim. Não conseguirei nunca ter a postura da filosofia tibetana, porque não foi enraizada no meu espírito. Contudo, a aceitação, conseguir ultrapassar o desespero, ajuda. Não é fácil. Estas três mortes fizeram-me repensar muitos aspectos da minha vida. Saber que caminho para um fim, faz-me querer viver mais plenamente, mais intensamente. Não quero com isto dizer que preciso de viver tudo o mais depressa possível. Apenas que tudo aquilo que me proponho fazer, seja fruto de vontade inequívoca. Quando me voltar a apaixonar, mesmo já tendo experimentado o desalento e a dor, entregar-me-ei sem reservas a essa paixão e correrei os riscos que tiver de correr. Estou com os amigos e familiares que amo sempre por inteiro. Deixei de fazer fretes, porque simplesmente não me apetece. Quando algo ou alguém me faz infeliz ou magoa, reclamo. A vida tem de ser vivida por inteiro e não com medos e receios. Viver pela metade, com medo de sofrer, não é viver. Viver é celebrar, sempre.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

acidentes mediáticos

A propósito de acidentes, muito se tem escrito na blogoesfera sobre o Angélico. Há quem o condene de imediato porque devia ir em excesso de velocidade, porque devia ir com os copos, porque não levava cinto, porque jovens como ele são todos uns inconscientes por colocarem a sua vida e a dos outros em perigo. Há quem o defenda e sofra como se, pelo facto de ser conhecido, fizesse parte da família ou dos amigos. Os Portugueses são exímios em expressar juízos de valor quer estejam ou não na posse de toda a informação sobre qualquer assunto que seja.
Eu apenas lamento uma morte tão prematura, como lamento todas. Não sei o que provocou o acidente. E ainda que tenha sido por algum dos motivos referidos acima, quantos podem dizer que, em algum momento das suas vidas, não facilitaram? Eu não posso. Da mesma maneira que me recusei muitas vezes a ir num carro com um condutor embriagado, ou que convenci alguém a deixar-me conduzir por não ter bebido, também já andei de carro com amigos que conduziam embriagados, andei sem cinto, fui fazer piões de jeep, andei em carros ultra lotados, andei a 280 de mota e, uma ou outra vez, conduzi ligeiramente embriagada. Era mais nova, é certo, mas mesmo assim com idade suficiente para ter consciência do que estava a fazer. Tive sorte, muita sorte porque há, efectivamente, idades em que nos achamos imortais. Também me impressiona todo este circo mediático montado à volta deste acontecimento. Como se ele fosse o único a sofrer uma morte destas. Era, de facto, único para a sua família e amigos. Ele perdeu a vida e os que o amam ganharam um inferno particular que só o tempo irá amenizar.

circular é morrer?

Morre-se muito nas estradas portuguesas, sendo diversos e distintos os factores que contribuem para este grave problema nacional. A grande maioria dos acidentes rodoviários são provocados por erro humano, nomeadamente por velocidade excessiva, manobras perigosas, condução sob efeito de álcool ou drogas, falta de civismo, entre outros. A não utilização dos sistemas de segurança obrigatórios (cintos, capacetes, cadeiras infantis) é um outro factor que faz aumentar exponencialmente o número de vítimas mortais em sinistros rodoviários. Há, no entanto, acidentes que têm a sua origem no mau estado ou má concepção das estradas e na sua deficiente ou inexistente sinalização. Não será pois justo imputar as culpas dos números negros de acidentes rodoviários somente aos condutores, cabendo-lhes, no entanto, a fatia mais grossa de responsabilidade. A actuação dos organismos competentes deveria pautar-se por um desempenho muito diverso do que tem vindo a ser feito, não se demitindo das suas responsabilidades e fazendo campanhas adequadas e agressivas, que mostrem, brutalmente e sem rodeios, os efeitos nefastos dos acidentes. As multas podem influenciar o comportamento de alguns condutores, mas não são suficientes para mudar toda uma cultura de condução (mal) implementada, devendo a punição para pessoas condenadas criminalmente neste cenário, passar pelo trabalho cívico com sobreviventes mutilados de acidentes. É difícil mudar mentalidades e hábitos (mal) adquiridos mas, tendo em conta os benefícios que poderiam ocorrer ao serem postas em prática algumas medidas mais agressivas, certamente valerá a pena o esforço.

terça-feira, 28 de junho de 2011

***

Às vezes tudo muda nos breves segundos de um olhar fortuito...

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Não quero ter o tempo todo completamente ocupado. Quero deixar espaço para o não planeado, para me deixar surpreender, para mudanças, para me perder, para me reencontrar...
No fundo eu quero o MUNDO e quero continuar inebriada pela vida, espantada com ela, arriscaria mesmo dizer FELIZ porque sim! Não é nada palpável, não é nada especial. Simplesmente sinto-me bem, com o coração em paz, sem mágoas e com vontade de viver muito.

de um tempo que já passou...

dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o
FOGO e a água.

talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.

talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
VINHO, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a
TAÇA que só esperava
os dons da minha vida.

dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.

nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu
BEIJO molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia. 
 

domingo, 26 de junho de 2011

***

Lovers have a religion and a faith of their own...

ir além do desespero

A sala de espera era exígua. Sentada numa cadeira desconfortável, fechei os olhos tentando abstrair-me da cacofonia geral. Queria não pensar, estar em branco, em silêncio, mas a algazarra não deixava que a minha alma se apartasse para um lugar sossegado. A desesperança tinha-me entrado na alma e eu não sentia forças para a combater. Abri os olhos. Na cadeira à minha frente uma velhota pequenina, aparentando uma idade impossível, dormitava. Mesmo repousando, ou talvez por isso, parecia transmitir uma aura de paz, de sossego. Mirei-a com atenção. Tinha os cabelos muito brancos e muito ralos. O rosto engelhado, sulcado por rugas profundas e pequenas cicatrizes, deixava adivinhar uma vida dura. As mãos calejadas aninhadas no regaço mostravam, também elas, marcas da idade e de uma vida de trabalhos pesados. Quando olhei de novo o seu rosto, um espanto indizível tomou conta de mim. Os seus olhos, belos, meigos, serenos, cheios de luz, eram a total antítese do seu corpo.
“Sente-se bem, minha filha?”, perguntou com um leve sorriso.
“Acho que sim” respondi hipnotizada pelo seu olhar vibrante e transbordante de ternura.
Olhou-me enigmaticamente. “Não está bem. Tem na alma uma tristeza sem fim, um abandono, uma dor profunda, uma queda iminente e fatal”.
Queria poder chorar, mas as lágrimas tinham secado. Esforcei-me por sorrir. Os seus olhos têm uma luz quente, têm um brilho especial e, no entanto, tem já tanta idade e parece ter sofrido na pele todas as amarguras do mundo.
Sorrindo, “É verdade, padeço de todos os males. Nenhum, contudo, me derruba. Chamo-me Esperança, e a menina?”
Nisto um miúdo tropeçou em mim e num impulso segurei-o para que não caísse. Quando olhei de novo para a velhinha, a Esperança, já não a vi. Desaparecera. Olhei em volta, fui à porta, espreitei para a rua e nada.
Sentei-me de novo. Ter esperança não é fácil, é um caminho longo e sinuoso, é uma vitória sobre nós mesmos, sobre a vontade de desistir, a vontade de ficarmos cheios de pena de nós próprios. Ter esperança requer esforço e paciência. Para a alcançarmos precisamos de ir além do desespero.

terça-feira, 21 de junho de 2011

nunca são as coisas mais simples

Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida. Porém, se
nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos
nos empurrou para fora do caminho habitual,
então as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação
dos lábios.

palavras

Gosto de palavras. Pronuncio-as, sinto-lhes o gosto, a textura. Com elas me perco tantas vezes e, de novo, por elas me encontro.
Há palavras que me seduzem infinitamente mais que outras. Numas, é o referente que me  agarra. Noutras é o modo como soam aos meus ouvidos: doces, ou melódicas, ou exóticas.

Estas são algumas. Assim, todas seguidas, lembram alguma espécie de ladainha invocatória:

morabeza, espuma, mar, estrela, volúpia, deuses, ousadia, sedução, estultícia, missanga, merengue, maracujá, diabo, devil, awesome, paixão, desamparinho, tertúlia, mentira, beijo, fogo, sangue, anjo, feitiço, sombra, vinho, louco, sedento, lábios, viajar, ilha, máscara, insólita, cacajuetes, inusitado, inebriado, sorvete, desvario, muqueca, jindungo, nau, baú, fera, sal, marejados, cadência, lento, carícia, pele, escarlate, sussurro, murmúrio, romã, boémia…

segunda-feira, 13 de junho de 2011

de todo, quedaron tres cosas




De todo, quedaron tres cosas:
la certeza de que estaba
siempre comenzando,
la certeza de que
había que seguir
...
y la certeza de que sería
interrumpido antes de terminar.

Hacer de la interrupción un camino nuevo,
hacer de la caída, un paso de danza,
del miedo, una escalera,
del sueño, un puente,
de la búsqueda...un encuentro.

pequenos nadas

Procuramos a felicidade como se esta fosse um porto de destino e não um modo de viajar. Partimos de um pressuposto errado. Andamos, como loucos, à procura de uma utopia: um estado de felicidade que uma vez atingido se manterá imutável. E nesta busca alucinada perdemos a viagem, perdemos o encanto das coisas simples e belas que fazem o nosso dia-a-dia. Não vivemos o momento, aquele momento simples e sem nada de especial. Só mais tarde percebemos que naquele instante fomos felizes.
A felicidade não tem segredos, não é uma demanda do "santo graal". Vivem-se momentos felizes feitos, tantas vezes, de pequemos nadas, de detalhes mínimos, de palavras doces, de sentimentos que nos enchem a alma, de gestos de carinho. Importante é percebermos que estamos felizes naquela hora, naquele instante. Importante é sermos felizes no presente e não no passado.